Ele iniciara seu trajeto como um peregrino comum. Caminharia
até onde o corpo aguentasse em direção à cidade de Aparecida (SP) para fazer um
pedido à Padroeira do Brasil. Morava na periferia da Capital de São Paulo. Perdera
o emprego, em consequência foi-se a casa que estava pagando, logo em seguida a
mulher o abandonara e fugira com outro levando seu único filho. Agora precisava
de um milagre para colocar a vida em ordem. Queria um milagre de Natal. Dada à
situação em que se encontrava, parecia uma criança que acreditava em Papai
Noel.
Era dezembro quando começara a caminhada com esse objetivo,
mas, com o passar dos dias e com a falta de tudo, trocara a comida pela água
ardente e, sem dinheiro, fuçava lixeiras à procura do que comer tornando-se um
“vadio de seus caminhos”, nem mais sabendo pra onde ia e com que objetivo. Um
caminhante sem destino até esquecido de onde viera. Parava quando encontrava
amigos de infortúnios e partia quando estes se transformavam em inimigos com
cada um pra si.
Mesmo com o peso de um saco nas costas, que nem mais sabia
porque carregava algo que a cada passo pesava mais, não se desvencilhava dele por
nada. Sabia ler, disso não se esqueceu, e então, certa vez, saindo do
acostamento da via principal por onde caminhava deparou-se com uma placa de
boas vindas com o nome de uma cidade: Jacareí. Na sua pouca lucidez, lembrou-se
da Santa Padroeira que procurava e cuja imagem, ouvira dizer, havia sido
atirada no rio Paraíba do Sul, nessa cidade e arrastada pelas águas. Depois, a quilômetros
mais adiante, foi encontrada por pescadores. O local tornou-se a cidade que hoje
leva o nome de “Aparecida”.
Quem sabe o milagre que procurava estivesse ali? Afinal nem
sabia mais se queria chegar à cidade antes programada. Conseguiu matutar,
misturando ideias de ilusões, sonhos infantis e pegou o caminho que levava à
região central. Andando a esmo, atravessou a ponte sobre o grande rio que corta
a cidade e foi parar no ponto onde existe uma capela à margem dele.
Percebeu que Jacareí estava enfeitada para o Natal. Ele não
tinha a intenção de comemorar nada, mas quem sabe o nascimento do Filho de Deus
trouxesse um presente? Ele já nem sabia o que desejava, nem sabia mais o que
pedir. Era um sem teto, sem ambições, sem pedido a fazer. Atordoado por esses
pensamentos entrou na capela.
Sujo e notado pelos poucos que frequentavam a igreja no
momento, era a tarde que antecedia a noite de Natal (ele perdera a noção do tempo)
ajoelhou-se longe de todos para que não sentissem sua incômoda presença. A
sombra e a quietude do local transmitiram-lhe paz. Ele apenas rezou. Rezou a
Deus sem pedir nada, sabendo que Ele daria o que achasse que ele necessitava e
trazia dentro do seu coração. Rezou diante de uma imagem da Padroeira ali
exposta. Descansou.
Antes que cochilasse, saiu dali. Ao descer as escadas e dar
com a calma da pequena praça fronteiriça, de árvores grandes margeando o rio,
um grupo de pessoas se aproximou e ofereceu ajuda, que ele aceitou. Foi levado
a um albergue municipal que cuida temporariamente de caminhantes como ele. Banhou-se.
Tomou uma sopa reconfortante, até com medo de que lhe fizesse mais mal do que
bem, visto que seu organismo acostumara a receber aguardente em vez de comida.
Deitou-se em colchão macio, de roupas cheirosas. Dormiu como indigente limpo.
Acordou no dia seguinte como homem de bem. Assustado, é
verdade, pois até o dia anterior fora um desconhecido para ele mesmo. Religava-se
o cérebro embotado. Reconheceu-se. Lembrou-se de tudo o que havia esquecido.
Não procurou pelo saco que carregava. Sentia-se descompromissado. Leve, livre,
descansado. Depois do café, agradeceu por tudo e saiu. Sabia quem era e o que
desejara até a véspera. O milagre acontecera.
Sentia-se um cidadão de bem, com roupas limpas. Não precisava
ir até a cidade prevista no início daquela loucura. Continuava não tendo nada,
mas alimentava a vontade de lutar contra o dragão que o havia sufocado até
aquele momento. Agora tinha um objetivo na vida. Pediu ajuda pra voltar pra sua
cidade, sabendo que os milagres estão em todos os lugares. Aquela cidade
colaborara com o que ele precisava. Deus agiu certo no momento exato e no local
permitido.
Se tivesse perguntado, saberia que a capela onde fora
socorrido era de Nossa Senhora Aparecida, erguida no ponto onde se acredita ter
sido lançada no rio a imagem da Imaculada Conceição no século 18, depois
encontrada por pescadores quilômetros adiante. A cidade de Jacareí, entretanto,
nunca mais sairia de sua mente. Ali era o lugar de seu presépio mental e eterno.
O nascimento de Jesus o fizera renascer e operara o milagre procurado. Era
Natal!
Autor: Paulo Ramos
Membro da Academia Jacarehyense
de Letreas
Cadeira nº 2 – Patrono: Antônio
Afonso